quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"José e Maria", Capítulo 2


      Mas o mundo nunca acabava e era aquela merda de sempre de acordar e ir catar latinha e depois vender latinha que saco que bosta não gosto mais disso e queria tirar Maria dessa vida dar a ela um lugar legal onde ela pudesse lavar os cabelos o corpo as roupas e alma e ser feliz e falei isso para ela e ela riu e debochou e falou que nossas vidas era aquilo mesmo aquela merda mesmo e nunca ia mudar porque éramos dois vagabundos esquecidos por Deus e os esquecidos de Deus têm é que viver assim mesmo na merda porque estão sendo castigados por alguma coisa fizeram no passado e eu falei que merda de papo é esse não mereço ser castigado nem você merece e decidi que ia mesmo mudar de vida e ficamos sentados na calçada olhando as pessoas passarem a as pessoas olhavam para a gente com cara de assustado como se fôssemos bichos e íamos morder alguém e às vezes passavam homens elegantes de terno e gravata e falando ao celular e carregando pastas e madames com suas bolsinhas luxuosas e botox no rosto e silicone nos peitos mas não eram peitos como os de Maria esses sim eram reais e eu ficava vendo essa gente e essa gente ficava me vendo e eu via o pneu dos carros girar e girar e pedia um cigarro para um bacana e ele ficava com medo e me dava um cigarro e acendia pra mim com medo de eu bater nele e eu tragava o mundo naquele cigarro e deixava Maria tragar também e depois eu ficava pensando do que é que essa gente tinha
tanto medo talvez fosse medo de gente com eu e Maria tragarmos o mundinho deles e fiquei com muita raiva e disse a Maria que não ia catar mais latas e ela ia ter uma surpresa naquela noite e voltou a rir de mim disse que eu estava louco e que se não catasse latas não ia conseguir nem comer naquela noite e daí levantei e saí e deixei Maria sentada na calçada acabando de fumar o cigarro que o bacana me deu.
            Revirei a lata de lixo como um cachorro vira-lata e achei um caco de vidro de bom tamanho tão grande que assustava qualquer um e peguei o primeiro bacana que apareceu e pedi seu dinheiro e ele tremia da cabeça aos pés e mijou nas calças enquanto me passava a grana e eu ri e mandei ele embora e ele saiu correndo prum lado e eu corri pro outro e não sei quanto tempo eu corri depois cansei e descansei na calçada e contei o dinheiro e vi que era um bom dinheiro e fiquei feliz entrei numa mercearia a caixa me olhou desconfiado mas eu estava pouco me fudendo para ela e para todo mundo que estava lá e comprei um pedaço de salame e uns pães e um vinho barato e voltei pro galpão e mostrei pra Maria ela nem acreditou Nossenhora Virge Maria onde você arrumou dinheiro pra comprar isso disse que tinha achado na rua e ela não perguntou mais nada e naquela noite comemos uma comida chique e bebemos vinho barato e fizemos sexo e sexo Maria era boa de sexo e gemia e gritava e eu achava lindo e a fazia ela gritar ainda mais até cairmos exaustos no chão e dormir e acordei com aquela vontade de vomitar mas lembrei que era vinho e pensei que não ia vomitar vinho porque vinho não era conhaque era chique e tranquei a boca e os dentes e não vomite e dormi de novo com Maria feliz e saciada roncando e soltando peido do meu lado e acordei no outro dia com a barriga ruim e cagando merda molhada e fedendo a vinho e salame que bosta nem comer direito a gente consegue parece que o estômago se acostuma a comer
só umas merdas mesmo e quando tem coisa diferente ele te olha de cara feita e acha ruim mas quero também que meu estômago e minha merda se fodam o que importa é que de noite eu tinha comido salame e vinho e Maria estava feliz.
            O diabo de cair nessa vida é que depois você gosta e não quer mais trabalhar roubar é mais fácil e dá mais dinheiro e gosto de ver a cara dos bacanas quando peço o dinheiro e eles me olham como se eu fosse de outro mundo mas não sou eu sou desse mundo mesmo o mundo que eles pisam é também onde piso pelo menos quando estão nas ruas que é meu mundo o mundo deles é de escritórios e casas bacanas mas só importa agora ter dinheiro para comprar coisas legais e dar para Maria e ver Maria sorrir com promessas de uma noite de sexo e até consegui comprar uns colchões velhos pra gente e um sonzinho onde ouvíamos música de corno à noite gosto dessas músicas falam de amores perdidos e dor de cotovelo e sofrimento e de beber para esquecer o sofrimento e faço Maria gemer enquanto ouço música e bebo e percebi que ela nem saía mais com os outros caras preferia ficar comigo meus vinhos baratos meus salames e nossos colchões.
            Maria nasceu no interior em casa pobre com oito irmãos ela era a caçula e os pais saíam cedo para roça e ela ficava fazendo almoço para quando pai e mãe e irmãos voltassem estivesse tudo pronto até que um dia ela já tinha 17 anos o padrinho filho da puta dela pegou ela sozinha e a violentou dentro de casa e ela era virgem e ficou suja de sangue e os pais chegaram e não acreditaram que o compadre tivesse feito isso e mandaram ela pegar a trouxa de roupa e sumir de casa nunca mais quero te ver disse o pai como você pôde fazer isso com a gente disse a mãe vagabunda disseram os irmãos e ela nem chorou mas ficou cheia de uma tristeza imensa pegou a trouxa de roupa e seguiu pela estradinha de terra que levava à cidade e de lá pegou um ônibus para a capital e tentou achar emprego como empregada mas ninguém quis dar emprego para ela e então as ruas a acolheram as ruas sempre acolhem quem precisa.
            Mas as ruas também têm seu código e você precisa conhecer e respeitar o código das ruas senão te matam igual matam um cachorro sem dono e eu aprendi o código e aprendi que você tem que mostrar quem é que manda e quando tinha que brigar batia com força pro sujeito lembrar da minha mão em seu rosto e nunca mais esquecer eu gostava de dar soco na boca porque aí o sujeito já quebrava os dentes e o sangue escorria e ele gritava xingava e saia correndo com o tempo fui ficando melhor comprei faca afiada e com ela me impus nas ruas pelos menos entre os vagabundos da minha laia e eu te digo que as ruas são uma guerra que nem essas que passam em cinema e tem gente que mata e deixa o corpo sangrando no meio da rua pra demarcar território por vingança por ciúme por dinheiro ou só por um gole de cachaça isso é as ruas e com o tempo você aprende porque se não aprender você está fudido e ninguém te respeita e você vira um vagabundo qualquer e eu te digo que as ruas são um Vietnã com ônibus azuis pele de cobra e romanos e gladiadores nós que vamos morrer saudamos césar o fim de tudo de todos os sonhos e bombas caindo na sua cabeça e gente sem esperança mas acho que é assim em todo lugar hoje mesmo vi num jornal um filho de um bacana matou o pai e a mãe ele tava doidão demais é a pele de cobra e outro tava doidão no carro e atropelou mãe e filha e matou as duas mas foi solto porquê bacana não fica preso.

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