sexta-feira, 28 de outubro de 2011

"José e Maria", terceiro e último capítulo


Comprei um trinta e oito e com ele pude fazer roubar melhor e ganhar mais dinheiro já não ficava perto do galpão ia para o bairro dos bacanas e quando a chance
aparecia eu metia o trinta e oito na cara no sujeito porque não gosto de roubar mulher acho sacanagem então pego os marmanjos e limpo suas carteiras e eles saem correndo e eu sumo no mapa como uma sombra some na noite e voltava para o galpão com comida boa e bebida melhor ainda Maria nem me perguntava mais onde eu conseguia aquilo ela comia tudo e bebia e ria e dançava e depois eu comia ela ali mesmo nos colchões sujos e as ruas nos olhavam e nos respeitavam e no galpão eu era rei e um dia apareceu outro cara um tal de José que também tinha vindo do interior e era um sujeito legal e ficou amigo de eu mais Maria e também era catador de papel.
            José sabia o que eu fazia mas também não ligava ele também não gostava dos bacanas e dos mariquinhas com seu mundo cheio de ordem e regras e culpas mas tudo isso da boca pra fora porque nas sombras os bacanas fazem sacanagens e traem e roubam de forma chique e dormem com as mulheres dos outros e as mulheres dormem com os maridos dos outros e depois vão para o salão fazer unha e pintar cabelo e os caras vestem a máscara de caras de respeito até cair a noite porque aí não há máscara que resista mas isso é normal do ser humano e desde que o mundo é mundo é assim e tem o mundo dos bacanas e o mundo das ruas e quando os dois mundo se encontram é o Vietnã mas ninguém sabe quem são os mocinhos e os bandidos porquê de noite todo gato é pardo.
            Eu roubava para dar de comer e beber a Maria e já achava que amava Maria e que Maria amava eu e assim o tempo foi passando e José ficou mesmo amigo da gente já bebia e comia com a gente de noite e às vezes até levava comida e uma cachaça fudida de ruim que ele comprava sei lá aonde e só se afastava quando era hora do sexo com Maria aí ele ia pra seu colchão virava e costas e ficava assim até acabar até sentir a
fumaça dos nossos cigarros matarratos então ele voltava para uma última dose de vinho e dizia boa noite fiquem com Deus até amanhã e voltava para colchão e dormia e a gente também dormia até o dia voltar de novo mas eu não tinha certeza se Deus ficava mesmo com a gente mas dormia assim mesmo achando que mesmo se Ele não ficasse com a gente podia dar uma olhadinha de vez em quando mas no fundo eu achava mesmo que ia pro ínferno quando morresse porque acho que Deus não gosta de gente que Ele abandona assim na vida e no mundo tem muita gente assim então deve ser mesmo difícil entrar no céu e não era eu quem ia conseguir.
            De tanto roubar acabei juntando dinheiro e resolvi comprar uma casinha para eu mais Maria morar porque gostava dela e achava que já era hora de tirar ela do galpão e comprei um barraco sem reboco mas com sala um quarto banheiro e cozinha e coloquei uns móveis para gente viver tipo fogão e geladeira e cama e levei Maria para conhecer ela quase morreu de susto e começou a chorar e me abraçou e disse que me amava e que a gente ia ser muito feliz ali coisa e tal essas coisas que dizem todas as mulheres como falava uma música e me beijou como se eu fosse o último e me abraçou de novo e ficamos na casa no mesmo dia José ficou triste mas disse que ia nos visitar e quando ele ia a gente comprava uma carne uma cerveja e ficava ouvindo música no barraco até ficarmos bêbados e aí depois ele ia embora morro abaixo cambaleando e dizendo que ia voltar e eu saía para roubar mais.
            Então eu decidi arrombar casas de bacanas e levar dinheiro e jóias e computador e celular essas coisa fáceis de vender e que dão um dinheiro comprei até uma pampa velha pra pôr tudo em cima e levar embora escolhia sempre casas que estavam vazias ficava um tempão observando e ficava dias e dias de olho pra ver se estava mesmo vazia
e pulava e arrombava na moleza e ia na geladeira e comia alguma coisa e ia embora com a sensação de ter entrado no mundo dos bacanas e levados suas coisas eles nada podiam fazer só chamar a polícia que ia fazer ocorrência e ficava por isso mesmo não deixava pista e roubava em bairros diferentes para despistar os meganhas e até comprei umas coisas chique lá pra casa e Maria não precisava mais trabalhar ficava o dia arrumando a casa e fazendo comida para matar minha fome quando eu chegasse e José continuava aparecendo nos fins de semana e trazia alguma coisa para comer e éramos como irmãos e eu gostava dele e ele sabia o que eu fazia mas nunca tinha me traído nem contado pra ninguém porque ele também gostava de mim e conhecia o código das ruas e sabia que ali quem mandava era eu.
            Então teve um dia de noite que saí pra roubar e vi uma estrela cadente caindo e não saiba se era bom ou mau agouro mas não era mesmo de acreditar nessas coisas e peguei a pampa e fui a um bairro de bacanas sem tanta grana mas que podia render dinheiro assim mesmo e além disso suas casas eram mais fáceis de roubar e achei uma rua que não tinha ninguém e fiquei um tempão olhando uma casa pra ver se não tinha ninguém e estava tudo quieto e escuro e pulei um muro e caí no quintal o cachorro veio me morder e eu cravei minha faca nele porque mesmo com o trinta e oito eu sempre andava com a faca e ele morreu ali mesmo entrei devagar pela porta da cozinha e estava tudo escuro como eu queria a casa devia mesmo estar vazia e fui caminhando no escuro e de repente entrei no quarto e acendi uma luz e vi que tinha uma mulher dormindo na cama uma mulher muito bonita de cabelo louro e perfume bom bem diferente de Maria e aquilo me deixou doido e eu perdi a cabeça fiquei doidaço e tampei a boca dela e ela acordou e tentou gritar mas eu era forte e arranquei a roupa dela e a penetrei enquanto ela chorava e ela nem se debatia mais de tanto chorar mas aí que merda que droga o marido dela chegou e viu o que estava acontecendo e pulou em cima de mim e gritou aí foi o diabo porque tive que atirar nele e a bala entrou na barriga e saiu do outro lado e ele caiu no chão a mulher começou a berrar e ele ficou estrebuchando no chão com o corpo varado e o sangue escorrendo pelo tapete e a mulher enlouqueceu e as luzes das casas do vizinhos começaram a acender e eu pulei o muro de novo e sumi nas trevas na noite e corri como um desgraçado como se tivesse um cachorro doido atrás de mim mas o cachorro era eu e eu afinal tinha matado alguém e sentia uma sensação estranha de torpor e não sabia o que fazer joguei o trinta e oito no esgoto e entrei na pampa e corri para casa para buscar o colo de Maria porque amava Maria e tinha feito essas coisas por ela para dar a ela uma vida melhor e dar a ela de comer e de beber e dar a ela um pouco da vida o cálice sagrado da vida que eu tinha acabado de matar mas ela Maria ia me perdoar porque sabia que tudo que eu fazia era por ela já Deus não sei se ia me perdoar porquê acho mesmo que Ele nunca gostou muito de mim e nem estava preocupado com o quê eu fazia Ele tinha coisas mais importante para se preocupar mas Maria não Maria saberia me perdoar saberia perdoar a coisa ruim que eu tinha feito porquê ela sabe que eu amava ela e tudo que eu fazia era por ela.
            Que merda puta-que-pariu que bosta porque isso tinha que acontecer o cara não tinha nada que ter chegado eu só queria roubar para vender e comprar mais coisas para minha casa e deixar Maria mais feliz Maria merecia ser feliz teve infância difícil foi expulsa de casa e teve que viver nas ruas mas me deu pão quando cheguei era uma pessoa boa que não merecia estar nas ruas por isso roubei pra comprar casa e comida para ela e comprava também roupas e perfumes e ela usava e botou dentadura e seu sorriso ficou o sorriso de gente bacana e ela parecia que estava feliz e eu estava assustado tinha matado um homem e ainda me lembrava da cara dele no chão agonizando para morrer e a mulher berrando e berrando e berrando e o cara morreu ali mesmo com os olhos aberto olhando pra mim o filho da puta nem pra olhar para outro lugar e uma coisa ruim pesava nos meus ombros e eu tinha que chegar em casa e pisava no acelerador da pampa igual um doido e dobrava as esquinas igual um rei e voava pelas ruas igual um astronauta e sonhava com Maria como se fosse um príncipe e afinal cheguei em casa desliguei o carro entrei correndo e fui para o quarto e Maria estava ali nua e transando com José e gemia como gemia quando trepava comigo e eu parei paralisado e Maria me olhou mas não disse nada e José levantou-se depressa pegou minha faca e enfiou na minha barriga e revirou a faca e eu caí no chão feito um saco de batatas mas Maria não gritou enquanto eu via minhas tripas no chão e o sangue manchar o chinelo de bichinho que eu havia dado para ela o mundo é mesmo uma merda não vale um centavo furado uma dose de pinga e agora José era o novo dono das ruas dos vagabundos da nossa laia e só me lembrei de que meu nome era Jesus antes de fechar os olhos ave césar rogai por nós Maria.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário